Folha de São Paulo, 01/09/2010 - São Paulo SP
A repetência e as aulas de reforço incorrem no mesmo erro: acreditam que, pela repetição, o aluno passa a se condicionar à resposta certa
RUDÁ RICCI
O tema da promoção automática de alunos surge, mais uma vez, no debate entre candidatos ao governo de São Paulo. E se confunde com um conceito distinto, o de progressão continuada. A confusão, generalizada, envolve pais e até mesmo professores, e opõe os dois conceitos ao de repetência. A repetência nasceu de uma concepção taylorista educacional, que se forjou na última década do século 19 nos EUA, formulada por Joseph Mayer Rice. Rice vinculou os objetivos da educação à formação para a indústria e definiu um ranking de conteúdos, tendo a matemática e a física como as principais, seguidas por biologia, química e comportamento social. Quem não atingisse um patamar ideal deveria repetir tudo o que estudou no ano anterior. O problema é que esta concepção tem muito de administração do trabalho, mas muito pouco de educação. Os seres humanos não saltam de patamar cognitivo a cada mês ou ano. O "calendário humano" é outro. Foi estudado por Jean Piaget e Henri Wallon, para citar alguns. A repetência é um elemento do sistema de verificação do modelo taylorista de educação. Explico: a seriação define um patamar ideal que o aluno deve atingir, a partir do qual é criado um ranking de classificação. Aqueles que não atingem um determinado índice desse ranking devem repetir. A repetência e as aulas de reforço incorrem no mesmo erro: acreditam que, pela repetição, o aluno passa a se condicionar à resposta certa. Contudo, num mundo em que uma novidade tecnológica ocorre a cada seis meses por segmento produtivo, essa crença na memorização como carro-chefe do processo educacional cai por terra. Repetir um aluno, portanto, é anacrônico e um equívoco educacional. A promoção automática também comete o mesmo erro. Interessante que o primeiro artigo sobre sistema de ciclos escrito por um brasileiro foi publicado na década de 1950, no Rio Grande do Sul, tendo como título "Promoção automática ou progressão continuada?". Mais de meio século depois, continuamos não compreendendo a diferença entre as duas propostas. São Paulo apresenta ainda mais dificuldade, porque, em 1921, Oscar Thompson, diretor geral do ensino do Estado, propôs a promoção em massa. Sampaio Dória também sugeriu algo semelhante. Em 1956, durante a Conferência Regional Latino-Americana sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória, promovida pela Unesco, foi amplamente discutido um estudo sobre reprovações e sugerido como solução a promoção automática. Contudo, o sistema de ciclos não propõe a promoção automática, mas a adoção de enturmações múltiplas para alunos que apresentarem dificuldades específicas. Digamos que, uma vez por semana, as escolas se dediquem a essas enturmações diferentes. Naquilo em que está bem, o aluno é promovido. No que apresenta dificuldades, continua em turma intermediária. Não se trata de repetência. O problema que envolve esse tema é que, mais uma vez, o Brasil tenta criar atalhos na educação. E não percebe que, por aí, banalizamos o caminho do desenvolvimento sustentável.
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Repetir não ajuda a ensinar: é apenas uma punição que estimula a evasão. Destrói o auto-respeito, os alunos de certa forma se sentem culpados. A repetência nos deixa a mensagem de que prazer e aprendizado nunca combinam. Devemos levar em conta que as pessoas têm um tipo de habilidade a ser desenvolvido,e que o papel da escola é ser um espaço de descoberta de talentos e de estímulo à curiosidade. Cabe a ela apostar que qualquer um pode.Não é o aluno que tem de se adaptar à escola ruim, é a escola ruim que tem de melhorar para atender ao aluno.
A repetição por motivos desconhecidos pode ser apenas mais um colaborador na evasão escolar. Por isso, entender o motivo da repetição, se é realmente o aluno ou se é o método utilizado é fundamental para as descobertas de melhoras no ensino. Inventar métodos, desculpas, culpados não resolve o problema, talvez se preocupar em valorizar o ensino e o aluno ajuda mais o sucesso escolar, agora enquanto ficar preso na procura de pequenos disfarces ficará nesse impasse de: o que fazer. Aulas de reforço, pequenas contribuições para frequentar tais aulas são apenas contribuintes do fracasso escolar e da evasão de tantos. Karla Voltoline
Como mostra a reportagem, a repetenção foi um meio de reter o aluno para que ele vivenciasse tudo o que havia estudado anteriormente, assim, ele ficaria condicionado ao conteúdo, ou seja, internalizar e compreender são duas palavras que não cabem nesse tipo de proposta. Entretanto, creio qu essa visão mudou um pouco, pois a repetência não é mais vista por esse prisma. Não pelo lado de condicionar o aluno, mas de fazê-lo rever tudo o que foi estudado para aí sim aprender e apreender o conteúdo. Infelizmente, esse tipo de olhar que existe sobre a educação, acaba desencantando o aluno, toda a magia dos primeiros anos na escola vão se esvaindo conforme as dificuldades vão aumentando e a pressão também, pioram ainda mais quando esse aluno não é estimulado, motivado, seduzido a adentrar no mundo do saber. O que acontece a seguir!?!? O aluno repete de ano, fica desmotivado e prefere parar de estudar. Mas não é isso que deveria acontecer, a escola precisa ser o lugar de desejo maior da criança, onde a criatividade, o conhecimento, o respeito, o lazer, o lúdico, a responsabilidade deveriam estar atrelados numa caminhada rumo ao sucesso de cada criança. Helena Nogueira
A sociedade dita "pedagógica", ainda se refere a um conceito de reprovação, o qual foi elaborado no século XIX, isso mostra o quanto é lento o processo de transformação educacional. De modo que, é visivel e comprovado por pesquisas que o método de reprovação é grande colaborador da evasão escolar, pois provoca o desinteresse do aluno diante do ensino sistematizado.Em vez de procurar atalhos para que se solidifique uma educação de qualidade no papel e meios midiá ticos, os responsáveis pela educação formal deveriam se preocupar em elaborar ações pedagógicas voltadas para atender aos interesses de cada discente ofertando a eles um ensino/ aprendizagem mais contextualizado e significativo para sua vida social.